Você sabe qual é o efeito da microbiota intestinal sobre o peso das crianças?

A obesidade infantil se tornou uma epidemia global e um desafio tanto em países desenvolvidos como nos em desenvolvimento. As causas deste problema englobam fatores ambientais (estilo de vida familiar, sedentarismo, mudança na alimentação) e predisposição genética (LOPEZ-CEPERO, 2015). Dados publicados na revista Human Microbiome Journal (2018) sugerem que alterações na microbiota das crianças podem estimular o ganho de peso e o desenvolvimento de obesidade.  Mas como a composição da microbiota pode influenciar o aumento de peso das crianças? Continue lendo o post e saiba mais!

Fatores que influenciam a microbiota infantil

A microbiota intestinal se refere à população de micro-organismos que colonizam o intestino e trazem benefício à saúde, como a fermentação de fibras alimentares, a síntese de vitaminas e outros compostos bioativos com funções imunológicas e endócrinas (PIHL, 2016). Fatores como o tipo de parto da mãe, a prematuridade da criança (peso ao nascer) e o uso de antibióticos nos primeiros meses de vida, podem influenciar na composição da microbiota intestinal da criança – conforme dados de Angelakis (2018). Segundo o autor, quando administrados precocemente, os antibióticos podem interferir na microbiota intestinal e na sua atividade metabólica – promovendo o ganho de peso na criança. Além disso, outros fatores podem colaborar com a alteração da microbiota, confira abaixo:

Pré-natal

Estudo de Mueller (2015) relatou que o uso de antibióticos durante a gravidez afeta a composição corporal da criança: o uso materno de antibióticos no segundo ou terceiro trimestre de gestação resultou em risco 84% maior de obesidade infantil aos 7 anos, em comparação com crianças não expostas.  Dados publicados na revista International Journal of Obesity (2015) sugeriram que a exposição pré-natal a antibióticos, quando combinada com o baixo peso ao nascer (abaixo de 3,5 kg), aumentou significativamente o risco de sobrepeso em jovens.

Nascimento

As crianças nascidas de parto normal têm o primeiro contato através de transmissão vertical com as bactérias maternas (vaginais, fecais e cutâneas), iniciando assim, a colonização da sua própria microbiota. Estudos de Jakobbson (2014) demonstraram que crianças nascidas através de cesariana apresentam menor diversidade microbiana em comparação com as nascidas de parto normal, assim como menor semelhança com a microbiota intestinal de suas mães. Além disso, uma meta-análise publicada na revista Obesity Reviews (2015), indicou forte associação entre o parto por cesárea e o sobrepeso/obesidade na infância, adolescência e idade adulta.
Crianças nascidas por cesariana têm um risco estimado em 30% maior de desenvolver obesidade infantil que as nascidas de parto normal. Acredita-se que esses bebês possuem menores populações de bactérias da espécie Bifidobacteria e Bacteroides em seus tratos gastrointestinais, assim como uma microbiota colonizadora menos diversificada (LIANG, 2017). Essa composição deficitária da microbiota intestinal pode estar associada à maior capacidade de captação de energia e aos riscos de sobrepeso e obesidade na vida adulta, conforme Pihl (2016). Além disso, evidências epidemiológicas sugerem que o parto por cesária correlaciona-se com uma menor concentração de leptina umbilical (hormônio da saciedade), também associada à um risco aumentado de obesidade tardia (LIANG, 2017).

Alimentação

O leite materno influencia diretamente a microbiota intestinal da criança e pode afetar o metabolismo do indivíduo tanto a curto como à longo prazo (PIHL, 2016). O leite materno contém muitas moléculas bioativas, como anticorpos (Imunoglobulina A), que modulam a composição da microbiota intestinal dos bebês – conforme Rogier (2014). De acordo com o autor, os pré e probióticos presentes no leite materno humano são a razão pela qual as crianças amamentadas têm uma microbiota mais uniforme em relação aos bebês alimentados com formulações prontas.
Além disso, sugere-se que o aleitamento materno proteja contra o início tardio da obesidade. Segundo a meta-análise de Weng (2012), a amamentação dos bebês por mais de 3 meses está positivamente associada ao nível de proteção contra a obesidade na pré-adolescência.  Em contrapartida, a alimentação dos bebês com formulações aumentou a massa gorda das crianças depois dos 12 meses de idade (GALE, 2012).

Prebióticos

Os prebióticos (substâncias não digeríveis como inulina e oligossacarídeos) estimulam seletivamente a atividade de espécies microbianas do intestino. O uso de suplementação prebiótica em fórmulas alimentícias de recém-nascidos mostrou afetar a consistência de fezes e a composição bacteriana, com padrão semelhante a dos bebês amamentados (MUGAMBI, 2012).
A ingestão de prebióticos tem sido associada com um aumento significativo da saciedade, melhora da glicose pós-prandial (após ingestão de alimentos) e das concentrações de insulina em adultos. O consumo de uma mistura de inulina e oligofrutose tem demonstrado aumentar as populações de Bifidobacterium spp. em crianças, o qual pode estar correlacionado com a redução do percentual de massa gorda, manutenção da massa magra e redução de triglicerídeos (NICOLUCCI et al., 2017).

Microbiota e aumento de peso corporal

Evidências publicadas na revista International Journal of Obesity (2015) sugerem que a microbiota intestinal está, de fato, envolvida no controle do peso corporal, na homeostase (equilíbrio) energética, influenciando no surgimento da obesidade. Além disso, os prebióticos e probióticos são capazes de alterar a composição da microbiota intestinal e controlar o apetite, o peso e as funções metabólicas através de vias gastrointestinais e modulação da população bacteriana intestinal (SANCHEZ, 2015).
Crianças com sobrepeso ou obesas apresentaram diferenças nas populações bacterianas intestinais, segundo dados de Kalliomaki (2008). Conforme o autor, foi observado menor número de bifidobactérias aos sete anos de idade e maior contagem de Staphylococcus aureus em amostras fecais de crianças obesas.  Um outro estudo envolvendo 79 crianças demonstrou que, dentre aquelas que nasceram com um peso acima do normal para a idade gestacional, estas apresentaram uma microbiota significativamente diferente daquelas crianças que nasceram com o peso normal para o mesmo período. O estudo observou que as bactérias gram-negativas (do filo Proteobacteria) estavam mais abundantes nos neonatos com peso acima do normal, enquanto que as bactérias gram-positivas (do filo Firmicutes) estavam em maior quantidade nos bebês de peso normal (KARLSSON et al., 2011).
Logo, conforme a renomada revista da Nature, Scientific Reports (2018), estimular a diversidade da microbiota intestinal em crianças pode ser fator potencial para prevenção da obesidade infantil.

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ver Referências

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